sexta-feira, fevereiro 22, 2013

É verde, mas é podre.


Que dor. Não sentia nada assim há um bom tempo. É a dor de perceber que se está sozinho.
Me olhei no espelho, eu vi um personagem. Uma cara falsa, feito máscara, que todos veem, mas ninguém sabe o que vão encontrar atrás dos olhos escondidos sob a secura das lágrimas que não me caem.
Dói querer dizer tanta coisa e secar na garganta, engolir todas essas palavras que me irritam a mucosa gástrica até sangrar, e me fazer vomitar sozinho no quarto escuro os meus sentimentos mais meus, que eu não conto pra ninguém. Dói descobrir que nada vai funcionar, e que vou continuar tendo medo enquanto não transformar a pessoa que sou embaixo dessa fantasia, embaixo dessa farsa, dessa pele que eu troco, que eu mudo, e faço muito bem, como se todos pudessem ver que sou assim: nu.
Não é caráter, não é muro, não é nada que possa parecer bonito de dizer, não é nada que possa parecer interessante, não é a poesia barata que procuro pra acalmar minha ansiedade. É náusea, é um verde que eu agora consigo ver realmente. Sai de dentro de mim e enche minhas narinas com o cheiro desgraçado que eu sinto toda vez que consigo olhar por trás das íris. É sujeira que fica agarrada em minhas unhas mal cortadas.
Como eu queria ter feito tudo certo...
Agora é tarde. Só sobrou o sentimento horrível de acordar mais um dia sem ter com quem dividir essa angústia, essa vontade de caminhar para qualquer lugar longe daqui, para nunca mais voltar, não mais sentir esse cheiro, não querer mais ver o mar. Nas ondas, esqueço, amadureço, mas me transformo na ilusão de que tento fugir. Quero ser engolido, se não puder gritar as palavras que me agarram o palato e ardem o dia todo. Quero extirpar as amídalas fedorentas, inflamadas, gonorreicas, inúteis. Não são para proteger do que entra. Filtram as palavras e os sentimentos – só resta o personagem.
Sou ator? Não. Sou fraco. Fraco para admitir que aquele que me olha da janela por sobre minhas olheiras é o real, que é ele quem inventa essa quimera saída de cada história, de cada livro, para esconder o monstro que realmente é. Essa quimera que lhes fala todos os dias, que sorri, que canta, que desaba em lágrimas falsas e é capaz de dizer que ama.
Não existe amor. Não existe; como poderia existir, se tudo o que vejo é errado e feio, e dói como vontade de voar pela sacada, numa viagem rápida até o chão.
O vento rasga essa cara de carne podre. Eu ligo para você. Que sorte, você não atende. Não imagino que tipo de coisa poderia sair da conversa entre nossos medos, entre nossas dores. Prefiro calar.
Que farei amanhã, quando o novo sol surgir, rasgando-me uma rima onde deveria costurar os lábios? E os amarelados olhos verão o céu. Haverá vontade de ver o mar, de cair na ilusão. Haverá vontade de dizer a verdade. Que verdade, pelos céus, que verdade? Se em plena carência não consigo estender a mão e pedir a menor esmola de toque e carinho que pode existir. Preciso de uma pele. Qualquer pele, que me encoste e diga: vem comigo. Preciso sentir que também sou gente, porque agora só consigo ver a casca de ovo embaixo desses pelos, dessa ridícula barba e o sorriso demente.
Doente, estou só.