terça-feira, junho 17, 2014

Amandla, a mandala

A mandala parecia um olho vivo, sugando pra dentro toda a luz que eu podia criar no esforço de sobreviver. O suor já escorria na fronte e o medo era intenso. Meia noite, e nada mais parecia impedir que continuassemos conversando naquele santuário onde cada peça fazia sentido no seu lugar único, onde pendiam as folhas úmidas. Ali jaziam os gênios mortos do ascenso anterior e cobriam-se de vergonha os moralistas. Jovens mergulhavam em redes de saudade, e o olho negro da mandala seguia a observar. Nada a distraía. Nem a frigida calma dos espelhos, nem a sorte do revolucionário morto e suas indiscretas indicações sobre a vida triste dois que têm que suar e sangrar suas mãos todos os dias para saudar o sol por mais uma manhã.
O sol, mandala suprema, sumiu antes que pudéssemos ver o rosto de Mae West por dentro. Daqui a pouco ele vai nascer de novo, e eu tenho certeza de que entre estes prédios daqui, com cor de zona sul, vou ter a impressão de que o dia ainda não nasceu.
Agora já passou anteontem, já passou hoje. Já não sei que será de agora. Só que o mesmo jazz dança em minha cabeça, embala os sonhos sensuais que tenho aqui sozinho na rede... E a vontade de correr a cidade no fusca, sair pra bem longe, onde eu possa mergulhar no azul do mata, sentir o cheiro de água fresca, deitar a cabeça na areia e dormir nos seios de uma música há tanto esquecida. Fora do poder, tudo é ilusão. Amandla awethu! 
G.Tritany