quinta-feira, outubro 02, 2008

a sala de estar (II)

Agora a dona da Sala de Estar limita-se a passar rapidamente por ela sem olhar os quadros. Quadros que antes tinham um significado. Não eram quadros de pinturas. Eram registros das melhores festas.

Voltando à história... A nova dona do apartamento não faz muito caso da linda sala que foi decorada pra chocar. Muito sexo ela faz. Fruto de uma mente desocupada, um coração sem rumo e um corpo que desperta desejos carnais em qualquer homem.

Lembro-me bem no tempo em que eu visitava aquele apartamento. Enquanto durava o casamento, passávamos, os três, muito tempo discutindo os prazeres da vida e filosofando jogados naquele sofá. Eu adorava as pinturas na parede.

Em um dia chuvoso o casal se desfez. Pouco me importa os motivos da separação. Só sei que em poucos dias estava eu de volta ao apartamento de número 503. Meu motivo de estar ali era exatamente aquele. Sexo. Nada mais.

E transávamos loucamente. Víamos graça em tudo o que fazíamos ou dizíamos. Passávamos a noite bebendo e rindo. E tudo aquilo de novo. Era um ciclo vicioso.

Não faço a menor idéia de como ganhava a vida essa senhora, pois nunca tive interesse em perguntar. Eu escrevia para um jornal. Um desses que ninguém leva a sério, mas vende igual água pelos comentários ácidos dos jornalistas mais críticos da cidade.

Até a semana passada tudo parecia normal.

Um clima estranho pairava no ar.

Ela ainda devia estar sobre o efeito daquelas pílulas. Veio pra cima de mim; cara diferente, olhos virados, cigarro com a ponta acesa a me queimar o braço. Não pude entender muito bem o que se passava.

Em dois dias tudo ia acabar. Ela chorava muito. Lembro me do bilhete.

“Já não consigo me olhar no espelho. Troque as cores da sala, O.K?”

Era só isso. Isso e o tiro. Só um.

A polícia quis saber o que aconteceu. Nem eu sabia.

Chorei; acordava no meio da noite pensando que ela voltaria. Ilusão.

Sento-me agora naquela sala de estar e começo a escrever esta história. Só porque me parece conveniente. As paredes me parecem tão mais vermelhas agora. Manchas que não são mais perceptíveis, mas eu consigo ver claramente. Sinto sua angústia. Aquele lugar tem um espírito diferente. Eu gosto. Torna-me um animal feroz em busca de satisfação de um desejo intenso.

Daqui a duas semanas tudo será normal.