Que
dor. Não sentia nada assim há um bom tempo. É a dor de perceber
que se está sozinho.
Me
olhei no espelho, eu vi um personagem. Uma cara falsa, feito máscara,
que todos veem, mas ninguém sabe o que vão encontrar atrás dos
olhos escondidos sob a secura das lágrimas que não me caem.
Dói
querer dizer tanta coisa e secar na garganta, engolir todas essas
palavras que me irritam a mucosa gástrica até sangrar, e me fazer
vomitar sozinho no quarto escuro os meus sentimentos mais meus, que
eu não conto pra ninguém. Dói descobrir que nada vai funcionar, e
que vou continuar tendo medo enquanto não transformar a pessoa que
sou embaixo dessa fantasia, embaixo dessa farsa, dessa pele que eu
troco, que eu mudo, e faço muito bem, como se todos pudessem ver que
sou assim: nu.
Não
é caráter, não é muro, não é nada que possa parecer bonito de
dizer, não é nada que possa parecer interessante, não é a poesia
barata que procuro pra acalmar minha ansiedade. É náusea, é um
verde que eu agora consigo ver realmente. Sai de dentro de mim e
enche minhas narinas com o cheiro desgraçado que eu sinto toda vez
que consigo olhar por trás das íris. É sujeira que fica agarrada
em minhas unhas mal cortadas.
Como
eu queria ter feito tudo certo...
Agora
é tarde. Só sobrou o sentimento horrível de acordar mais um dia
sem ter com quem dividir essa angústia, essa vontade de caminhar
para qualquer lugar longe daqui, para nunca mais voltar, não mais
sentir esse cheiro, não querer mais ver o mar. Nas ondas, esqueço,
amadureço, mas me transformo na ilusão de que tento fugir. Quero
ser engolido, se não puder gritar as palavras que me agarram o
palato e ardem o dia todo. Quero extirpar as amídalas fedorentas,
inflamadas, gonorreicas, inúteis. Não são para proteger do que
entra. Filtram as palavras e os sentimentos – só resta o
personagem.
Sou
ator? Não. Sou fraco. Fraco para admitir que aquele que me olha da
janela por sobre minhas olheiras é o real, que é ele quem inventa
essa quimera saída de cada história, de cada livro, para esconder o
monstro que realmente é. Essa quimera que lhes fala todos os dias,
que sorri, que canta, que desaba em lágrimas falsas e é capaz de
dizer que ama.
Não
existe amor. Não existe; como poderia existir, se tudo o que vejo é
errado e feio, e dói como vontade de voar pela sacada, numa viagem
rápida até o chão.
O
vento rasga essa cara de carne podre. Eu ligo para você. Que sorte,
você não atende. Não imagino que tipo de coisa poderia sair da
conversa entre nossos medos, entre nossas dores. Prefiro calar.
Que
farei amanhã, quando o novo sol surgir, rasgando-me uma rima onde
deveria costurar os lábios? E os amarelados olhos verão o céu.
Haverá vontade de ver o mar, de cair na ilusão. Haverá vontade de
dizer a verdade. Que verdade, pelos céus, que verdade? Se em plena
carência não consigo estender a mão e pedir a menor esmola de
toque e carinho que pode existir. Preciso de uma pele. Qualquer pele,
que me encoste e diga: vem comigo. Preciso sentir que também sou
gente, porque agora só consigo ver a casca de ovo embaixo desses
pelos, dessa ridícula barba e o sorriso demente.
Doente,
estou só.